Superando a procrastinação

Procrastinação é o hábito de adiar as tarefas até o último minuto possível, e com isso acabamos por nos sentir mal. Eu, como um dos maiores procrastinadores do planeta terra, sei do que estou falando. Ela pode prejudicar os estudos, carreiras e qualquer outra coisa que temos que fazer na vida.

As dicas mais simples para acabar com a procrastinação são:

  1. Divida os projetos em pequenas partes, para que cada tarefa possa ser feita rapidamente.
  2. Dê prioridade ao que é mais importante e urgente. O que não é importante e urgente fica pra depois, se tiver tempo.

Talvez você já saiba dessas dicas, e se elas funcionarem para você, ótimo. Mas para muitas pessoas elas não são suficientes. Procrastinadores pesados fariam o que precisam, se fosse assim tão simples. Existem estratégias mais avançadas para evitá-la, e também outras para fazer ela trabalhar em seu favor. Neste artigo colocarei algumas técnicas que aprendi ao longo da vida, e também dicas apresentadas pelo autor Neil Fiore, no seu livro O Hábito do Agora (título original em inglês The Now Habit), que, ao que parece, não existe em português.

Ele apresenta a seguinte definição:

A procrastinação é um mecanismo para se defender da ansiedade associada a iniciar ou completar qualquer tarefa ou decisão.

Portanto a procrastinação não tem muito a ver com preguiça, ela é muito mais complexa do que isso. As pessoas mais vulneráveis à procrastinação são aquelas que se sentem ameaçadas pela dificuldade de iniciar um projeto, que sofrem com críticas, sentem medo do fracasso, ou sentem receosas com a perda de outras oportunidades quando se começa um projeto.

Se você está lendo este artigo é provável que esteja procrastinando. Uma característica deste comportamento é que você se sente mal por estar fazendo algo que o distrai do que precisa ser feito.

Procrastinadores são geralmente muito autocríticos, perfeccionistas, têm medo de falharem, de que o resultado não seja satisfatório. Mas ao adiar as obrigações cria-se ansiedade, depressão e perda de autoconfiança, o que aumenta o medo de fracasso, que novamente aumenta a necessidade de usar a procrastinação como uma saída rápida.

O que pouca gente sabe é que a procrastinação pode também ser medo do sucesso. Com o sucesso surgem novas responsabilidades, mais demandas com isso mais medo do fracasso no futuro. Algumas pessoas podem estar procrastinando para ficarem exatamente onde estão.

Diário da semana

Uma estratégia para entender a procrastinação é manter um diário por uma semana onde você coloca todas as atividades, e como gastou o seu tempo. Basta colocar numa coluna a data e hora, depois a atividade, e a duração. Qualquer folha de rascunho resolve. Este exercício vai te dar uma boa estimativa de como gasta seu tempo. Ao rever uma semana de atividades você vai saber quanto tempo gasta ao telefone, lendo emails, nas redes sociais, comendo, trabalhando, etc. Isso vai te revelar o que você acha que deve mudar, reduzir ou aumentar o tempo, começar mais cedo ou deixar pra mais tarde. Talvez você fique surpreso ao notar que a quantidade de horas de trabalho mesmo são muito poucas comparado com o resto do diário.

Registro de procrastinações

Outro exercício é o registro das procrastinações, onde você insere apenas quando se distraiu da atividade que deveria fazer. Neste registro você coloca numa coluna a data e hora, a atividade que deveria estar fazendo e a prioridade, os sentimentos relacionados a esta atividade, a real atividade feita, a justificação para esta atividade, e os pensamentos e sentimentos resultantes.

Por exemplo, às 10 da manhã João deveria estar escrevendo mais um capítulo da dissertação. Mas ele achou que ainda faltava entender mais da literatura para escrever a respeito. Ele sentiu que a tarefa era muito grande para poder começar, então resolveu ir ler notícias de esporte. Depois de meia hora ele começou a se sentir culpado, se achando preguiçoso e com medo de não conseguir terminar tudo na data prevista.

Depois de uma semana completando este diário, você vai poder ver quais são as atividades que você evita mais, quais são as formas de escapar, e quais os sentimentos resultantes. E quanto maior a duração da procrastinação, provavelmente é porque a tarefa relacionada é mais dolorosa.

Rede de proteção

Neil apresenta metáforas para superarmos a procrastinação que nos paralisa por medo do fracasso. Ele menciona 4 situações:

  1. Você está andando sobre uma tábua de madeira de 4 metros e 30 centímetros de largura, no chão. Você consegue atravessar a distância, sem problemas. Esta metáfora representa as atividades que conseguimos fazer tranquilamente, onde não há procrastinação.
  2. Imagine que agora você está atravessando esta tábua colocada entre dois prédios, no alto. Você provavelmente vai ficar paralisado de medo de cair. Neste caso, é como se estivermos fazendo alguma atividade com medo do fracasso, num projeto muito complexo, em algo que não sabemos como fazer ou não gostamos de fazer.
  3. Imagine que o prédio atrás de você está pegando fogo. Isso certamente vai te dar a motivação para atravessar a prancha, não importa a altura. E vai atravessar de qualquer jeito, engatinhando, arrastando a bunda, correndo, não importa. Esta metáfora representa a data de entrega, o risco de ser demitido, ou qualquer outra punição que certamente vai te fazer sofrer as consequências.
  4. Imagine que não tem fogo, mas tem uma rede de proteção abaixo da tábua, que vai te pegar se você cair. Neste caso você também consegue atravessar, já que está em segurança. Se cair, vai balançar na rede como um trampolim, e pode começar novamente sem medo. Neste caso você tem a autoconfiança, motivação e segurança de alternativas caso algo dê errado. É preciso estimular este senso de valor próprio para você visualizar estas alternativas e para que você não fique com medo do fracasso. Com autoconfiança você tem motivação para recomeçar seu negócio se tudo der errado, de rescrever um artigo se ele for rejeitado. Se algo der errado não é o fim do mundo, você vai sobreviver. Com uma rede de proteção, uma queda não é tão terrível.

O que dizer a si mesmo

Eu tenho escolha

Um dos maiores erros do procrastinador é dizer ‘eu tenho que fazer isso’. Na verdade temos a escolha, em tudo na vida. Você pode escolher com o que quer trabalhar, que curso fazer, etc. Suas tarefas são na verdade obrigações relacionadas com suas escolhas.

  • A dica é trocar “eu tenho que fazer isso” por “eu escolhi fazer isso“.

Começar para terminar

Outro erro é focar na data de entrega, no prazo fatal (deadline). Isso dá uma falsa ideia de que temos tempo de sobra, ou nos deixa apreensivos demais. A forma melhor de conversar consigo mesmo neste caso é:

  • Ao invés de “eu preciso terminar isso” diga “quando posso começar isso?”

Um passo de cada vez

Projetos complexos geralmente deixam a gente com medo de não conseguir fazer, de que é muito difícil, e que não sabemos como lidar, ou que é muito importante. Quanto maior o projeto, maiores as chances de procrastinação.

  • Ao invés de “este projeto é muito grande e muito importante” diga “eu posso dar um pequeno passo de cada vez“.

Feito é melhor do que perfeito

A preocupação de que um projeto precisa ser perfeito só aumenta as chances de procrastinação, para tolerarmos o medo do fracasso e de críticas. A demanda por perfeccionismo deve ser substituída pela ideia de que somos humanos e limitados. Erros são parte natural do processo de aprendizado. A dica é começar com um rascunho bem imperfeito de propósito. Depois você pode ir melhorando este esboço até virar a obra final.

  • Ao invés de “eu tenho que ser perfeito” diga “eu posso ser perfeitamente humano“.

Work hard and play hard

Trabalhar por todo o fim de semana e em horários em que você deveria estar se divertindo ou encontrando os amigos só vai fazer você ver trabalho com ressentimento, como uma coisa negativa, que te priva de ter uma vida, que causa isolamento. Insista em ter seu próprio tempo para atividades físicas, para ver os amigos, intervalos durante o dia, dias livres na semana e férias durante o ano. Com isso você aumenta sua autoestima e melhora seu relacionamento com o trabalho. Sabendo que você vai ter tempo livre e diversão no fim do dia te motiva a trabalhar mais dedicadamente.

  • Ao invés de “eu não tenho tempo para diversão” diga “eu tenho que tirar um tempo para diversão“.

Diversão sem culpa

As pessoas mais eficientes são aquelas que conseguem trabalhar bastante e se divertir bastante também. Se você focar no trabalho quando tem que trabalhar, poderá ter tempo de sobra para diversão sem culpa. Um dos maiores problemas da procrastinação é que ela consome o tempo de lazer e a vida social. A pessoa acaba dedicando mais tempo para terminar as tarefas que deveriam ter sido feitas em muito menos tempo.

Calendário inverso

Uma forma de organizar projetos grandes e evitar a procrastinação é fazer um calendário inverso, colocando na agenda inicialmente o dia da entrega. Depois disso vá organizando as tarefas necessárias para terminar o projeto desde a data de entrega até o momento que você tem que começar o trabalho. Assim, você pode focar a energia no início, para começar cada tarefa de uma vez.

Antiagenda

Esta técnica combina a necessidade de diversão sem culpa com o conceito de trabalho de qualidade (focado, concentrado, produtivo). Coloque itens na sua agenda que são as coisas que você precisa fazer, como:

  • dormir, comer, tomar banho etc
  • condução, trânsito
  • o tempo livre para recreação, lazer
  • socialização, almoços e jantares com amigos
  • saúde e atividades físicas como academia
  •  aulas, reuniões, médico etc

Deu pra ver que nesta agenda não tem o trabalho em si. Portanto, se você colocou todas estas outras atividades corretamente, verá que sobrou pouco tempo para o trabalho. A gente acha que tem 24 horas no dia, mas na verdade são apenas algumas horas para podermos trabalhar nos nossos projetos.

Pomodoro

No método antiagenda não colocamos a descrição do trabalho a ser feito. Eles serão preenchidos depois que completarmos as tarefas, e a cada meia hora de trabalho sólido.

Para medir as meia horas de trabalho utilizamos uma técnica chamada pomodoro, que leva este nome devido aos cronômetros de cozinha no formato de um tomate. A cada 25 minutos de trabalho de qualidade, anote o que fez e tire 5 minutos de lazer, para fazer o que quiser, mas não pode ser trabalho. Depois de 4 ciclos de meia hora, tenha um intervalo mais longo, para outras distrações. Estes períodos de intervalo funcionam como a recompensa pelo trabalho feito. Existe um site inteiro dedicado à esta técnica, chamado http://pomodorotechnique.com. Ao longo dos dias você vai construindo um relatório do que foi feito, numa lista contendo o número da tarefa e as atividades desempenhadas. Por exemplo, João poderia colocar ‘Pomodoro 1: Lendo e sublinhando partes importantes do artigo Smith et al., 2016’. Se a atividade usar mais de 25 minutos, marque na mesma linha quantos pomodoros foram necessários.

Existem diversos softwares para computador ou aplicativos para celular feitos para facilitar a contagem deste tempo. E alguns ainda implementam recursos de gamificação para motivar o uso, como pontos, competição e reconhecimento. Ao fazer esta antiagenda temos uma visão mais realista do nosso tempo disponível para trabalho, o que nos faz focar mais em trabalho de qualidade. Ao dedicar 30 minutos para iniciar um trabalho concentrado estamos dando foco no início de tarefas ao invés da obrigação de terminar. E ao anotar o que fizemos a cada 30 minutos vemos o progresso, o que nos dá a visão mais positiva da experiência de sucesso ao completar tarefas.

Finalmentes

Este artigo pretendeu oferecer um resumo de técnicas contra a procrastinação, a maioria delas introduzida por Neil Fiore. Elas envolvem um autoconhecimento através de diários e registros, e mudanças de comportamento através do foco e da organização de trabalho e lazer. Estas dicas apresentadas aqui são recomendações gerais, mas sempre é possível alterar e ajustar os métodos para melhor se adaptar para cada pessoa. E lembre-se que é preciso sempre evitar distrações no horário de trabalho de qualidade, já que suas atividades de lazer já estão registradas na sua agenda. Forneci aqui três arquivos para ajudar no melhor entendimento e combate da procrastinação, listados acima. Com este arsenal você estará bem preparado para obter de volta o controle do uso do seu próprio tempo.

Uma final recomendação é para aprender com sua procrastinação. Como dito por Steve Pavlina no seu artigo ‘Como amar a procrastinação’, às vezes ela quer te dizer alguma coisa. Nem sempre precisamos combater a procrastinação com todas as forças. Não se puna se estiver procrastinando muito, sem chances de continuar o que estava fazendo. Às vezes podemos nos render a ela. Como sempre evitamos nossas obrigações fazendo algo que gostamos de fazer naturalmente, talvez seja possível transformar este seu momento de lazer no seu trabalho de tempo integral. Talvez suas obrigações atuais sejam as tarefas não representam o que você quer para sua vida, e que talvez outra pessoa poderia fazer em seu lugar. Se você conseguir transformar suas procrastinações em algo produtivo e rentável, talvez seja melhor dedicar mais tempo a elas, sem culpa.

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