Colocando personas nos mapas da jornada do usuário

Trazendo filosofia para o design

Quando trabalhei para o projeto CLoSeR, na Universidade de Warwick, abrimos uma vaga para estágio de verão. Candidatos se inscreveram para trabalhar durante dois meses de férias acadêmicas, e selecionamos um estagiário muito dedicado e empenhado. O interessante é que ele cursava filosofia e foi o melhor candidato, mesmo considerando a necessidade de realizar trabalhos vinculados ao departamento de engenharia e manufatura. Ele se interessou pelo nosso trabalho de design centrado no usuário, e nós nos interessamos nos seus conceitos de filosofia, que poderiam enriquecer o debate com relação a ética do uso de tecnologia.

Eu treinei o estagiário, que se chama Callum Bradley, em atividades de design de interação e realizamos juntos diversas tarefas de pesquisa, como entrevistas, aplicação de questionários, transcrição de gravações e análise de dados. Callum se interessou tanto pelas atividades de pesquisa que fez um mestrado e agora cursa doutorado na universidade Goldsmiths, em Londres.

Experiência do usuário sistêmica

Um resultado do trabalho que ele realizou conosco é o recente artigo científico publicado na revista “International Journal of Human-Computer Studies”. Neste trabalho propomos uma nova perspectiva para lidar com personas e mapas da jornada do usuário (customer journey maps), o que intitulamos “experiência do usuário sistêmica”.

Este artigo explora a pesquisa com experiência do usuário com um enquadramento da filosofia consequencialista. Defendemos que o design de um produto ou serviço ideal deve considerar o nível de satisfação e prazer de todos os usuários. Este pensamento é importante quando existe a necessidade de se avaliar a aceitação de novas tecnologias, ou a atualização de sistemas existentes.

Premissa do artigo

Personas e mapas da jornada podem ser pragmáticos para indicar os requerimentos de um sistema ao demonstrar o nível de prazer da maioria dos usuários. Entretanto, com o método que propomos, o foco é em minimizar o desprazer que alguns usuários possam sentir, mesmo que isso resulte em um sistema que não seja tão prazeroso para alguns usuários. É preciso então homogeneizar a satisfação e evitar insatisfações extremas, visando uma experiência do usuário mais holística e sistêmica para todos.

Neste artigo exploramos este pensamento filosófico e ilustramos estas premissas com o projeto criado para desenvolver novas tecnologias para a rede ferroviária britânica. Paralelo a este estudo fizemos trabalhos com a tripulação de bordo dos trens, criando personas e mapas da jornada do usuário para estes profissionais e também mapas mais completos para passageiros. A conclusão do artigo contém recomendações para como os designers podem pensar na experiência do usuário para incorporar visões sistêmicas de prazer e satisfação quando se propõe inovações tecnológicas.

Exemplo de cartão de persona mostrando Lin, uma senhora que usa trens mas não usa smartphones

 Criando personas

Os dados qualitativos e quantitativos obtidos durante esta pesquisa foram combinados para fornecer um entendimento completo das características, opiniões e sentimentos dos passageiros de trens. Os usuários se diferenciavam em quatro temas principais, chamados de variáveis, e com isso foram condensados em quatro personas principais. Em outras palavras, os dados coletados nas entrevistas e questionários indicaram agrupamentos de comportamentos, necessidades, motivações, características e limitações, os quais foram compilados em quatro personas. Criamos um cartão para cada uma delas, como pode ser visto na figura acima. Personas facilitam o entendimento das necessidades dos usuários, aumentando a empatia por parte da equipe desenvolvedora do sistema.

Criando mapas da jornada do usuário

Os entrevistados avaliaram as viagens de trens com relação a sete pontos de contato com o sistema ferroviário, e os resultados podem ser vistos na imagem abaixo. Fazendo a média do sentimento demonstrado pelos participantes, geramos o gráfico cuja linha indica esta média. Os estágios da viagem de trem incluem desde o planejamento e a compra do tíquete até a chegada ao destino.

Mapa da jornada de trem, mostrando os sete pontos de contato principais e o sentimento médio dos passageiros a cada estágio da viagem.

Experiências individualizadas para cada persona

Quando separamos a experiência do usuário média e focamos em experiências de cada persona, conseguimos ver onde a qualidade da experiência é divergente. É importante notar a discrepância entre a linha original representando a média dos usuários e a experiência de algumas personas. Joseph teria uma linha reta mostrando que ele gosta de todos os aspectos da viagem com a nova tecnologia Já a experiência da Lin e a Tina teria se deteriorado bastante, especialmente em etapas como a localização do assento e a validação do tíquete. Na imagem do topo desta página mostramos como a passageira Lin se expressa a cada passo da jornada, justificando estes sentimentos com dizeres extraídos das entrevistas com usuários representados por essa persona.

Linhas mostrando o sentimento de cada persona a cada ponto de interação durante a jornada. É possível notar que algumas personas demonstram grande insatisfação em alguns pontos (linhas vermelha e roxa, da Tina e Lin), ao passo que outras gozam de ótimas experiências (linha azul, do Joseph)

Conclusão

Esta pesquisa propõe uma interrogação filosófica a respeito do uso, coerência e viabilidade de se criar personas e mapas da jornada do usuário, ferramentas comuns para apresentar resultados de pesquisa e influenciar design de produtos e serviços. Ao usar a experiência média, as individualidades podem se perder. Defendemos o uso de personas em conjunto com mapas da jornada dos usuários, para justificar a emergência de uma nova perspectiva, mais holística e sistêmica, incorporando teorias filosóficas para propor o uso de ética para considerar a experiência do usuário compartilhada.

Faz parte da responsabilidade ética de qualquer designer ou pesquisador, o trabalho de considerar a diversidade e individualidade dos usuários. As experiências são variadas e interativas num sistema compartilhado com todos usuários. Um approach mais sistêmico, que minimiza os desprazeres e nivela os prazeres, foi proposto neste artigo. A satisfação dos usuários será mais adequada, com menos exclusão, quando produtos e serviços considerarem que indivíduos estão interconectados, dependentes da eficiência do mesmo sistema.

Este artigo pode ser acessado no site da editora Elsevier – Science Direct, ou se você me mandar uma mensagem posso passar o arquivo PDF pra você.

Citação:

Bradley, C., Oliveira, L., Birrell, S., Cain, R., (2021) A new perspective on personas and customer journey maps: Proposing systemic UX, International Journal of Human-Computer Studies,
Volume 148, 102583, ISSN 1071-5819, https://doi.org/10.1016/j.ijhcs.2021.102583.

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