A confiança e aceitação de passageiros e pedestres será fundamental para o futuro e desenvolvimento de veículos autônomos. Aqui na universidade de Warwick conduzi um estudo, juntamente com meus colaboradores, para verificar qual estilo de direção as pessoas preferem nos veículos autônomos. Medimos os níveis de confiança comparando dois estilos: um veículo programado para dar a impressão que ele dirige como um motorista humano comum, e outro como uma máquina, privilegiando a eficiência no tráfego.
Nós convidamos 43 voluntários para participar da pesquisa, que vieram para um galpão grande onde criamos um circuito que simulava uma área de trânsito misto num centro de cidade, onde carros e pedestres compartilham o mesmo espaço. Incluímos também as esquinas e cruzamentos onde os veículos tiveram que “negociar” a passagem. Todos os voluntários testaram o veículo 4 vezes, tendo a experiência de um dos dois estilos de direção.
Metade dos participantes andou no veículo programado como um robô, que dava a impressão que estava usando vários recursos tecnológicos modernos para dirigir com segurança e eficiência.
A outra metade dos participantes andou no veículo programado para simular o padrão de direção de uma pessoa comum. Depois, medimos os níveis de confiança, e os resultados estão publicados no jornal de acesso aberto, que pode ser lido gratuitamente no jornal Information, no endereço http://doi.org/10.3390/info10060219 (em inglês).
O resultado geral é que encontramos uma pequena diferença na confiança entre os dois estilos de direção. O robô eficiente obteve uma vantagem em termos de preferência mas que foi diminuindo ao longo das 4 viagens no veículo. Como não há diferença significativa entre os dois modos de dirigir, talvez uma combinação desses métodos seja a solução.
O que foi notado, entretanto, é que para ambos estilos robô e humano, a confiança aumentou a cada viagem, sugerindo que a simples familiarização vai ser uma das formas mais eficientes de aumentar a confiança em veículos autônomos, quando as pessoas ficarem mais acostumadas com a existência deles nas ruas.
Para fornecer resultados mais robustos, nós combinamos estes resultados quantitativos com uma parte qualitativa. Além de questionários sobre a confiança, nós também pedimos para os participantes descreverem a experiência que tiveram, durante uma entrevista semi-estruturada. Isso permitiu uma maior compreensão das vantagens e desvantagens de ambos modos de dirigir.
Uma reclamação comum era o sentimento de que o veículo estava fazendo curvas fechadas, ou acelerando e freando bruscamente. Este desconforto era sentido em ambos estilos, mas mais frequentemente quando o veículo dirigia como um robô. Um comentário típico era: “o que a gente espera é uma curva gradual… teve momentos que ele estava acelerando nas curvas, e isso te pega desprevenido”. Isso indica que a velocidade e trajetória desses veículos deve ser controlada minunciosamente, mas ao mesmo tempo o veículo deve ser assertivo e determinado, para prover os benefícios dos veículos autônomos.
Entretanto, foi o comportamento dos veículos nos cruzamentos que gerou os comentários e reações mais diversas entre os participantes. Na primeira parte do experimento os veículos simulavam o modo de dirigir de um motorista comum. Ao se aproximarem das esquinas, os veículos sempre reduziam a velocidade, como se estivessem “olhando” se a via estava livre e se podiam prosseguir. Caso notassem que o outro veículo se aproximava, eles paravam e davam a preferência.
A outra parte do experimento teve os dois veículos dirigindo como robôs, simulando que recebiam informações sobre a presença de outros veículos fora do campo de visão. Se os sensores e as formas de de comunicação com outros veículos diziam que a via estava segura e que não havia outras ameaças se aproximando, os veículos sabiam se podiam virar a esquina com segurança. Então, entravam na via sem reduzir a velocidade ou parar. Se o Sistema detectava um veículo que deveria ter a preferência, mesmo se que ele não estivesse no campo de visão do passageiro, o veículo parava e deixava o outro passar.
As reações a estes dois modos diferentes foram variadas e surpreendentes. Alguns participantes gostaram do estilo humano, com um deles dizendo que ele estava “…provavelmente tentando inspirar confiança no passageiro, eu acho, em termos do jeito que ele se comportava, meio que semelhante a um humano, já que só vai inspirar confiança assim, eu acho, é poque é assim que estamos acostumados”.
Outros também gostaram do jeito robô, parando na esquina mesmo se não tinha alguma coisa visível, mas porque estava comunicando com outros veículos for a do campo de visão. Um participante disse que “ele parou na esquina, porque eu acredito que ele sabia que algo estava vindo, ao invés de reagir ao ver alguma coisa vindo”.
Igualmente, teve comentários negativos a respeito de ambos estilos de direção ao lidar com a situação as esquinas. Alguns perceberam problemas com o jeito robô de virar a esquina direto por acreditar que o caminho estava livre, por exemplo com relação a usuários vulneráveis, “…tipo pedestres e ciclistas que poderiam estar ali e não comunicam com o veículo. Deve haver uma maneira mais segura de agir ao invés de entrar voando na esquina”.
Entretanto, outros ficaram bem surpresos com o estilo humano de dirigir, com o veículo parando a cada esquina, já que lhes pareceu um desperdício das capacidades da tecnologia. As novas tecnologias permitem que carros façam uma “varredura” da via com os sensores e se comuniquem com outros veículos. Participantes disseram ficar frustrados com o fato do veículo não ser “mais assertivo”. Um participante disse que “às vezes eu não esperava que ele fosse parar, porque eu pensei que o outro veículo estava um pouco distante mas ele parou, então eu acho que ele é cauteloso… se eu estivesse dirigindo eu provavelmente já teria ido”. Outro passageiro disse que “se eu estivesse em um veículo autônomo dando visão de 360º a todo momento, eu esperava que ele soubesse instantaneamente se é seguro ou não, sem a necessidade de reduzir a velocidade”.
Um outro passageiro que testou o veículo dirigindo como uma pessoa comentou que um robô se comportando como um humano e tentando olhar pros lados na esquina pareceu ironicamente artificial: “eu acho que foi um pouco inesperado porque minha expectativa com veículos autônomos era que existiria certa artificialidade ao invés de um motorista humano”.
Apesar desta aparente quantidade de contradições em termos de como veículos autônomos devam negociar as esquinas uns com os outros, acreditamos que há importantes lições a serem aprendidas. Particularmente:
- Há uma clara necessidade de informar ao público geral os detalhes sobre os sistemas que governam veículos autônomos, por exemplo, os recursos tecnológicos recentes como a comunicação de um veículo a outro
- Deve-se considerar a instalação de telas para compartilhar as informações que o veículo está usando, para que passageiros num veículo compreendam que o sistema está ciente dos riscos localizados além do campo de visão
- Os recursos mais eficientes de condução de veículos autônomos devem ser apresentados progressivamente, começando com as habilidades básicas quando essa tecnologia for introduzida inicialmente, até a aplicação de todos recursos quando veículos autônomos estejam mais divulgados, para que passageiros possam criar a confiança com o tempo.
Após uma divulgação desta pesquisa pelo departamento de comunicação da Universidade de Warwick, esta pesquisa recebeu bastante interesse de sites de tecnologia e blogs na internet. Atualmente existem mais de 12 sites com links para o artigo, em inglês, chinês, italiano e este em português.
A citação completa do artigo é:
Oliveira, L., Proctor, K., Burns, C., & Birrell, S. (2019). Driving style: how should an automated vehicle behave? Information, 10(6), 1–20. https://doi.org/10.3390/info10060219